2. Análise do sistema bobina + platinado + condensadorPara entender o papel do condensador, é muito importante analisar antes o funcionamento da bobina de ignição. Na verdade, a bobina de ignição é um transformador com dois enrolamentos, 1) o primário ligado à bateria, ao platinado e ao condensador e 2) o secundário ligado ao distribuidor e às velas.
A tabela abaixo, já mencionada em outros lugares, mostra as características de algumas bobinas de ignição da Bosch.
A bobina "prata" 9 220 081 039 foi usada nos Fuscas, a "azul" 9 220 081 054 nos Opalas com ignição a platinado, e a "vermelha" 9 220 081 067 nos Opalas com ignição eletrônica.
Nosso interesse aqui são as duas primeiras bobinas para uso com platinado, mas infelizmente, o fabricante não oferece muitas informações técnica. A tabela só fornece os valores da resistência do primário e do secundário. Para um caracterização mais completa, seria preciso saber também as indutâncias do primário e secundário, a relação de espiras, o fator de acoplamento, as capacitâncias parasitas do primário e
secundário e as perdas no núcleo.
Para a bobina "prata" 9 220 081 039 mostrada na foto do post anterior, MEDI os seguintes parâmetros:
- resistência do primário: 3.41 Ω
- resistência do secundário: 6.42 kΩ
- indutância do primário: 12 mH
- relação de espiras: 1:50
- capacitância parasita do secundário: 55 pF
Os valores medidos de resistência do primário e secundário concordam com os valores fornecidos pela Bosch e apresentados na tabela acima. O fator de acoplamento não foi medido, mas estimado em 95%.
Uma observação de passagem, muita gente pensa que uma bobina de ignição multiplica, por efeito de transformador, a tensão da bateria, de modo a se obter a alta tensão para as velas de ignição. Isso não é correto, como uma simples conta pode provar! Se a tensão da bateria de 12 V fosse multiplicada pela relação de 50 vezes, a tensão no secundário seria de apenas 600 V, claramente insuficiente para iniciar a faísca na vela!
O funcionamento do sistema de ignição com bobina, platinado e condensador depende da propriedade de um indutor armazenar energia em seu campo magnético. Da física, sabe-se que a energia armazenada é dada por ½ LI², onde L é a indutância e I a corrente no indutor. Numa bobina de ignição, a energia do campo magnético vem da corrente no PRIMÁRIO, que começa a circular assim que o platinado fecha.
Outra propriedade fundamental de um indutor é que a corrente no indutor só pode variar gradualmente. Isso implica que a corrente no indutor não pode ser interrompida bruscamente. Na prática, ao se tentar cortar bruscamente a corrente num indutor, o resultado será uma arco (centelha), que nada mais é que a corrente circulando através do ar ionizado entre os terminais.
Passando à analise propriamente dita do funcionamento do circuito de ignição, de um ponto de vista didático é interessante estudar inicialmente o que aconteceria se o secundário da bobina estivesse desconectado. Evita-se assim, nessa análise inicial, de ter que considerar os efeitos da descarga na vela, e ter que lidar com o fato da bobina não ser um transformador não ideal.
Medidas feitas nos condensadores disponíveis forneceram valores entre 200 e 230 nF. Essas variações nas capacitâncias dos condensadores comerciais são normais, mas para simplificar a análise do circuito, supor-se-á que o condensador apresenta capacitância nominal de 220 nF, que é o valor-padrão comercial mais próximo.
Para a análise inicial, supõe-se que a tensão da bateria/alternador seja de 14 V e que o platinado esteja aberto no instante inicial, mas feche no instante 5 ms e depois permaneça fechado. Neste estudo será usado o Orcad PSPICE, um simulador extremamente poderoso de circuitos elétricos e eletrônicos que se transformou no padrão da indústria. Entre outros resultados, o PSPICE fornece as formas de onda de tensão e corrente como se fosse um osciloscópio.
A figura abaixo mostra a corrente no primário da bobina em função do tempo:
A corrente na bobina começa a crescer gradualmente a partir do instante de fechamento do platinado, em t = 5 ms, mas conforme o tempo vai passando, a corrente na bobina tende a saturar. O valor da corrente final é fácil de calcular e é dado pela relação da tensão da bateria pela resistência do primário 14 / 3.41 = 4.11 A. Se houvesse um resistor "ballast", o seu valor precisaria ser somado à resistência do primário.
Na prática, obviamente o platinado não pode fechar e continuar fechado o tempo todo. Em algum momento, o platinado irá abrir, justamente para gerar produzir a alta tensão que produzirá a centelha na vela.
Para estudar o efeito da abertura do platinado, suponha que o platinado fecha em t = 5 ms, mas abre em t = 10 ms. Nessa situação, a corrente
i no primário da bobina será dada pela figura abaixo:
Note que até t = 10 ms, a corrente na bobina segue o mesmo comportamento do gráfico anterior, mas quando o platinado abre, a corrente na bobina passa a ter um comportamento muito peculiar. A corrente, que vinha crescendo continuamente até t = 10 ms, passa a ter um comportamento oscilatório amortecido, com frequência de de alguns kHz.
Note que a corrente oscilatória assume valores negativos em certos instantes e que o valor do pico negativo atinge um valor de aproximadamente -3 A. Uma corrente negativa significa apenas que o sentido da corrente
i está invertido, isto é, a corrente está voltando da bobina à bateria.
É importante perceber que após o platinado abrir em t = 10 ms, a corrente na bobina fluirá necessariamente pelo condensador, que é o único caminho existente de retorno da corrente do primário para o terra.
É justamente a interação entre a bobina e o condensador que explicam o aparecimento do caráter oscilatório da corrente na bobina e no condensador. Aliás, essa interação entre um indutor e um capacitor caracteriza um fenômeno bastante conhecido pelos físicos e engenheiros, chamado de
ressonância.
Vejamos agora como é a tensão no condensador:
Entre t=0 e t = 5 ms, o platinado está aberto e a tensão no condensador é de 14 V.
Em t = 5 ms, o platinado fecha e a tensão no condensador cai a zero.
Em t = 10 ms, o platinado abre e a corrente da bobina começa a carregar a capacitor e a tensão sobre o condensador/platinado começa a subir.
A partir de 10 ms, a tensão no capacitor começa a variar em modo oscilatório. A tensão no capacitor atinge um pico positivo, cujo valor ultrapassa 700 V. Da mesma forma, ocorre um pico negativo de quase -700 V. No secundário da bobina, pelo efeito multiplicativo do transformador, a tensão chegaria a 700 x 50 = 35 kV.
É importante lembrar que nessa simulação inicial, o secundário da bobina de ignição está desconectado. Num caso real, a vela de ignição é ligada ao secundário da bobina através do distribuidor. Mais tarde, veremos como a ocorrência da centelha da vela altera a tensão sobre o condensador/platinado.
É interessante olhar mais detalhadamente o comportamento da corrente e tensão, pelo menos logo após a abertura do platinado. Veja, por exemplo, o que acontece durante o primeiro mili-segundo logo após a abertura do platinado, isto é, entre entre t = 10 ms e t = 11 ms.
O ponto A corresponde ao instante de abertura de platinado. Lembrar que com a abertura do platinado, a corrente na bobina também flui pelo condensador. Em A, a corrente na bobina é de cerca de 3 A e a tensão no condensador, 0 V (condensador descarregado). A energia armazenada no campo magnético da bobina é máxima e a energia armazenada no campo elétrico do condensador é nula.
A partir de A, a corrente na bobina começa a diminuir, mas a tensão no condensador começa a aumentar, porque o condensador começa a se carregar com a corrente vinda da bobina. A tensão no condensador irá aumentando até atingir o máximo em B.
Em B, a corrente na bobina cai a zero (idem a energia armazenada no campo magnético da bobina), mas, por outro lado, a energia armazenada no campo elétrico do condensador será máxima.
A partir de B, a corrente elétrica se inverte e o condensador começa a se descarregar até chegar em C, quando a tensão cai a zero.
Em C, o condensador se descarregou completamente (V = 0), mas a corrente atingiu o máximo no sentido negativo. Em C, a energia armazenada no campo elétrico caiu a zero, mas a energia armazenada no campo magnético atingiu o máximo.
Entre C, D e E, os comportamento da corrente e tensão são semelhantes ao que aconteceu entre A, B e C, mas com os valores invertidos.
Neste ponto, é possível explicar o porquê do amortecimento das oscilações. A causa básica do amortecimento das oscilações é a perda de energia causada pela resistência do primário da bobina. Essa resistência dissipa gradualmente, em forma de calor, a energia armazenada, de modo que, dado um tempo suficiente, a oscilação iria se enfraquecendo até se extinguir. Na prática, devem ser levadas em conta também as perdas no núcleo da bobina, mas que não foram contempladas nessa simulação inicial.
Outra observação que pode ser feita aqui é que, dada uma relação de espiras de 50 vezes e tensão de pico no primário chegando a 700 V, no secundário da bobina a tensão chegaria a 35 kV. Evidentemente, uma tensão de 35 kV conseguiria provocar uma centelha na vela, já que, tipicamente, uma tensão de 10 kV é suficiente para isso.
Depois dessas análises, é possível entender a função do condensador de forma mais profunda e completa. Por exemplo, já é possível responder com segurança à questão crucial sobre o que aconteceria se o condensador fosse removido do circuito. Entretanto, é preciso dizer que a questão não pode ser respondida simplesmente removendo o capacitor da simulação. A simulação entraria em colapso porque o simulador PSPICE não consegue lidar com uma situação em que a corrente num indutor é interrompida instantaneamente.
Felizmente, é possível chegar a uma conclusão válida através de uma sequência de simulações, onde a capacitância do condensador vai sendo reduzida gradativa, tendendo a zero. De fato, a intuição física autoriza a dizer que a remoção do condensador pode ser entendida como equivalente ao caso limite em que a capacitância tende a zero.
O que acontece, p. ex., se o capacitância do condensador for reduzida para, digamos, ou seja, 1/10 do valor de 220nF tipicamente usado na prática?
A figura abaixo mostra a tensão sobre o condensador/platinado quando a capacitância é reduzida para 22 nF:
Nota-se imediatamente que a frequência da oscilação aumentou em relação ao caso em que C = 220 nF. Idem com o valor de pico, que atinge agora cerca de 2.3 kV.
Se a capacitância do condensador for sendo reduzida a cada simulação, se constatará que tanto a frequência da oscilação como a tensão de pico irão crescendo sem limite. Na prática, uma redução significativa de capacitância certamente acabará levando à formação de arco entre os contactos do platinado. De fato, existe um valor limite para o campo elétrico que o ar consegue suportar sem ionizar para uma dada separação dos contactos. Como já comentado, a ruptura dielétrica do ar dará lugar a um arco elétrico entre os contactos do platinado, que é justamente o que o condensador procura evitar.
Note que uma diminuição da capacitância do condensador produz dois efeitos que se combinam para facilitar a formação de arco entre os contactos do platinado. Um dos efeitos é o aumento da tensão de pico da tensão, o que obviamente favorece a formação de arco. Outro, mais sutil, é a o aumento da frequência da oscilação, que aumenta a velocidade de subida da tensão entre os contactos do platinado. Logo após a abertura do platinado, os contactos do platinado estarão se afastando com uma velocidade limitada. A velocidade de afastamento dos contactos do platinado depende da geometria do came do distribuidor, do ajuste da separação dos contactos do platinado e da rotação do motor. A situação mais crítica é quando o motor está trabalhando em marcha-lenta.
É interessante também estudar o que aconteceria se a capacitância do condensador fosse aumentada em relação aos valores usados na prática. Se a capacitância fosse aumenta, digamos, por um fator de 10x, isto é, para 2200 nF, a tensão no condensador/platinado será como a mostrada na figura abaixo:
A tensão de pico se reduz para cerca de 230 V, com uma redução significativa da frequência de oscilação. Esses dois resultados são favoráveis para à ausência de arco entre os contactos do platinado, porém a tensão de pico pode ser insuficiente para produzir uma centelha na vela. Com uma tensão de pico de 230 V no primário, surge um pico de teoricamente cerca de 11 kV no secundário, que na prática talvez nem chegue a 10 kV devido às perdas não previstas na simulação.
A conclusão dessas análises é que um capacitância muito pequena leva a risco de centelhamento nos contactos do platinado, e uma capacitância muito grande é benéfica para a vida do platinado, mas em certas situações a alta tensão gerada pode ser insuficiente para gerar uma boa centelha na vela.
De passagem, cabe mencionar aqui que o módulo eletrônico usado nos Opalas após 1982 funciona exatamente como um platinado eletrônico. De fato, nesses sistemas eletrônicos, o platinado, que nada mais é que uma chave elétrica, é substituído por um transistor. Entretanto, o módulo eletrônico não usa condensador como os sistemas a platinado, ou para ser mais exato, o módulo eletrônico da Bosch tem um capacitor de capacitância relativamente pequena, 10 nF, na mesma posição ocupada pelo condensador da ignição convencional com platinado. Entretanto, a discussão da operação do módulo eletrônico fica para outro dia.
As simulações feitas até agora foram muito importantes para esclarecer a função do condensador nos sistemas de ignição com platinado, entretanto, essas simulações são um pouco artificiais porque o efeito da centelha na vela foi ignorado.
Na verdade, não é muito simples simular o comportamento elétrico de uma vela de ignição. As bibliotecas de componentes do PSPICe não tem um modelo de vela de ignição.
O comportamento de uma vela de ignição é mesmo meio complicado. Do ponto de vista elétrico, uma a vela de ignição é um circuito aberto até que a tensão chega em torno de uns 10 kV, quando ocorre uma ionização da mistura ar + combustível entre os eletrodos da vela. O disparo da ionização dura um poucos micro-segundos. Em seguida, a tensão na vela cai para aproximadamente 2000 V e essa tensão permanece mais ou estável durante toda a centelha, que dura tipicamente cerca de 1 ms.
Outra dificuldade para uma simulação mais completa do sistema de ignição é que a bobina de ignição não é um transformador ideal. É preciso acrescentar a resistência do primário e secundário, as capacitâncias parasitas dos enrolamentos, as indutâncias de dispersão resultantes do fator de acoplamento menor que 100%, e as perdas do núcleo.
Usando o modelo da vela de ignição descrito acima e introduzindo todos os parâmetros da bobina de ignição, a tensão simulada sobre o condensador/platinada foi a seguinte:
Comparando agora com a forma da onda REAL capturada com um osciloscópio, e já mostrada no primeiro post:
Há uma concordância bastante razoável entre a tensão simulada e a medida com um osciloscópio. Tanto a forma de onda geral, como os valores de pico das tensões e as frequências são parecidos.
Finalmente, podemos explicar melhor os pontos que foram levantados no final do primeiro post deste tópico:
- A oscilação inicial acontece somente durante o tempo de duração da centelha na vela, de pouco menos de 1 ms.
- A oscilação inicial é o resultado da ressonância entre o condensador e indutância de dispersão do primário. A indutância do primário é relativamente pequena, da ordem de 0.6 mH, o que explica a frequência relativamente elevada da oscilação inicial.
- A oscilação inicial está sobreposta a uma tensão constante de cerca de 50 V. Essa tensão de aproximadamente 50 V é produzida, em parte, pela tensão da centelha na vela refletida para o primário da bobina. Quando ocorre a centelha, a tensão na vela cai para cerca de 2000 V, que é refletida para o primário com o valor 2000 / 50 = 40 V. A tensão no terminal (-) da bobina será a soma dessa tensão refletida mais a tensão de 14 aplicada ao terminal (+) da bobina = 40 + 14 = 54 V. Fica explicado, assim, porque a oscilação inicial sobre o condensador/platinado aparece sobreposta a uma tensão de cerca de 50 V.
- A oscilação final aparece quando a centelha na vela cessa. A frequência, relativamente baixa, é resultado da ressonância do condensador com a indutância total do primário, de 12 mH. Com o fim da centelha, desaparece também a tensão de 40 V refletida ao primário, de modo que a oscilação final aparece sobreposta apenas à tensão da bateria/alternador de 14 V.
FIM
P.S: Caso hajam dúvidas, básicas ou avançadas, farei o possível para esclarecer dentro das minhas possibilidades de conhecimento. Comentários também são sempre bem-vindos.
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